sábado, 29 de janeiro de 2011

A Promessa Solitária

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“Nossas vidas passam como o murchar de uma rosa, chegam ao ápice da beleza e aos poucos vão se esvaindo, como tem que ser. E todo esse percurso é divinamente programado, como se não houvesse escolha de vida, como se houvesse apenas um caminho, mas as escolhas são feitas e foram feitas antes, você não irá lembrar. Porém tudo parece fazer absurdamente tanto sentido que a razão de viver parece perder o sentido, e sua alma grita com a aprendizagem de suas próprias escolhas. E isso é algo além do que lhe disseram: para cada escolha há uma renúncia.”

Foi em meio a uma calmaria trovejante, onde eu me encontrava confortavelmente em meio a ruínas que ela veio me trazer essas palavras. Me segurei firme a elas, pois daquilo dependia a minha vida, talvez não pelo que fosse dito em si, mas por ter sido dito e por eu poder escutar algo além de todo aquele flagelo.

Não havia razões para que ela viesse a mim, ela certamente não precisava ter vindo, mas veio. E apenas tal atitude, a ação de não precisar, mas vir, fez com que explodisse em meu âmago todo uma energia que transcendia aquela pequenez que me cercava. Já não importava que eu tivesse perdido a batalha, ou até mesmo a guerra, o que importava é que eu ainda estava ali e haviam outros ali comigo e ainda havia tempo, somos o tempo que nos resta.

E desse modo decidi lutar pelos que ali restaram e pelo filho do Deus da Luz que viria reivindicar seus domínios, pois éramos irmãos e esse naquele momento era o meu papel.

Levantei, vi que como veio ela se foi e só restara eu novamente com suas palavras ecoando em minha cabeça.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Distraindo a Verdade

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Uma vez, eu me lembro bem, quando eu a vi ela estava sentada com um olhar distante como sempre. Fiquei imaginando o que poderia estar passando em sua cabeça, que possíveis coisas ela poderia ter vivido e de que forma isso refletia na imagem que eu via a muito.

Desejava eu que ela pudesse se comunicar comigo, até me aproximei, mas nem por sons, nem por símbolos, nada a fazia sair do transe transcedental que se havia colocado. Era a mesma roupa, o mesmo lugar e eu já tinha ouvido falar que ela gostava de chá e de coelhos, por que nada a movia agora?

Fui criando uma angústia, aquela bela imagem parada a minha frente que representava tudo que eu sempre quis, estava tão ao alcance agora e ao mesmo tempo distante. Era uma foto, um quadro, não, não era. Mas não existia vínculos entre nós, não existia palavras, talvez apenas eu visse ela, ela nem me visse.

Foi então, que nesse dia, após tantos, no meio da penumbra vejo trilhos brancos luminosos ao ar, aos poucos eles vão tomando outra forma e se junta a esse cenário um ser risonho. Esse ser de ar tranqüilo, como que se vem para mostrar que todo nosso sofrimento é apenas besteira, era um gato. E esse gato que suprimiu do vazio e tomou forma, veio em minha direção, o gato falava.

“Se for tudo o que você realmene deseja eu posso lhe mostrar os pensamentos dela”. O fez apontando para o objeto do meu desejo que estava imóvel sem perceber as novas ações que se desenrolavam no local. “Mas… pense, nem sempre tudo o que queremos ter é o que gostaríamos de ter. Talvez ela seja apenas uma desculpa para que você não viva a sua própria vida, e depois de tê-la? O que restaria para você?”.

Fiquei atônito por alguns instantes, parei. Olhei para todo o cenário e pela primeira vez em anos me questionei se esse tempo todo eu fiquei tão preocupado em saber o que pensava a Alice que nunca escutei o que eu mesmo pensava. Da mesma forma que não havia vínculo e comunicação entre eu e ela, não havia em mim.

O gato se foi, assim como veio, e eu decidi ir também. Naquele dia eu percebi que não era apenas ela que estava imóvel o tempo todo, talvez eu fosse visitá-la algum outro dia. Por hora, não mais.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quem Manda Em Quem

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Não acreditamos mais em Zeus. Usamos a palavra mitologia para definir as crenças de muito tempo atrás. Aquelas das quais não fazem absolutamente nenhum sentido para o tempo presente. Agimos assim sem perceber o mecanismo da fé funcionando inerente a qualquer época, perpetuando a mesma ideia através de recursos simbólicos grosseiramente iguais aos de antigamente, e ainda sim olhamos para o nosso tempo como se ele fosse mais sagrado do que outro.

A percepção da fé como alegoria é fundamental para quem quer autonomia sobre ela. E o sistema da fé tem funcionado até hoje porque há quem o controle com autonomia, e há quem se submeta a ele com dependência. É um jogo de “sabe e não sabe” onde quem sabe sempre tem vantagem. Esse modelo se reproduz em diversos níveis. Por exemplo: é através desta autonomia – num nível primário – que é possível hoje, que desdenhemos da fé dos nossos antepassados primitivos.

Contudo, ter autonomia sobre a própria fé não significa necessariamente abandonar a crença, mas sim fazer um uso consciente dela. É mais ou menos como o usuário de cocaína que assume e reconhece o risco do vício e faz uso da droga com parcimônia tomando como principal cuidado a posição de “quem manda em quem”.

Talvez essa maturidade “espiritual” que institui o auto-respeito em relação as questões existenciais, imaginações, fantasias, desejos e esperanças, seja um caminho para entender a fé como uma experiência particular que tem reflexo no coletivo. É aquela velha história: só quem ama a si próprio é capaz de amar alguém. Quando somos capazes de ter certeza de que alguma fé merece contestação, isto pode ser um indício de que a nossa própria crença corre exatamente o mesmo risco. Ignorar ou se intimidar diante deste passo significa fechar os olhos para a história que a humanidade vem desenhando desde sempre. Além de fechar uma série de outros caminhos que poderiam estar abertos. E correr um enorme risco de participar do grupo dos fundamentalistas de conveniência.

A visibilidade LGBT tem esbarrado diretamente na fé cristã. E essa disputa por espaço na sociedade vem sendo vencida pela força da crença. Estes movimentos conflitam por que ambos buscam interferência coletiva. Os cristãos querem que a sociedade se mantenha refém dos preceitos cristãos, e os LGBT querem que a sociedade admita a convivência com a diversidade sexual (vejam a grande diferença de objetivos propostos neste texto).

Para o cristão, é questão de fé conquistar o espaço do outro. Para a lésbica, o gay, a(o) bissexual, a(o) travesti e a(o) transexual é questão de direito conquistar a participação na sociedade. Não há acordo que proporcione um ganho para ambas as partes: ou os cristãos admitem a convivência com LGBT’s (o que na prática significa o fim da disseminação da discriminação através da fé – do mesmo jeito que hoje não é possível vender sua filha através da bíblia – Êxodo 21:7), ou os LGBT’s admitem sua marginalidade, se resignando a não ter seus direitos assegurados, assumindo uma condição de cidadão de segunda categoria.

É uma ilusão sonhar com a possibilidade de que a conquista LGBT não interfere na fé cristã. Interfere sim e muito. Exatamente do mesmo jeito que a cristandade passou maus bocados para se adaptar a não discriminação por etnia, sendo que muitas seitas mantém suas doutrinas racistas, com uma imunidade calcada no que chamam de liberdade religiosa. A diferença é que hoje a conduta racista é socialmente condenável, e a conduta homofóbica, não. Será um tremendo golpe para a comunidade cristã, a admissão de que relações homoafetivas existem. Isto implica numa propaganda tão positiva do pecado que o torna praticamente irresistível a quem é homossexual e também a quem não é. É claro que isso não quer dizer que heterossexuais cristãos cairão na tentação do pecado do “homossexualismo”, mas sim que estarão mais expostos ao pecado da felicidade. E o pecado de ser feliz é uma ameaça gigantesca para quem acredita na salvação através do sofrimento e do sacrifício.

Diante deste duelo cabe a sociedade civil o julgamento. Cabe a este amontoado de gente, onde o cristianismo é amplamente bem representado, admitir o que é mais justo: o direito de discriminar ou o direito de não ser discriminado. E o caminho implica na exposição sincera de quem é o carrasco e de quem é o condenado. Nesse sentido, poupar esforços na denúncia em nome do medo da fé será uma covardia nada estratégica. É o que temos feito até hoje. E sem sucesso relevante.

O respeito é uma relação de equilíbrio de poder, e para tanto é fundamental uma postura austera e que saiba agir diante do embate. É preciso que saibamos tratar o que é mito, como o senso comum trata o mito sem perceber que Jesus e Zeus são exatamente a mesma coisa.

Ismael Ramos

Publicitário e ativista LGBT

Membro da Associação Arco-Íris de Joinville

www.twitter.com/ismaelramos

domingo, 19 de setembro de 2010

O Anjo Caído

Almeida Garrett


Era um anjo de Deus
Que se perdera dos céus
E terra a terra voava.
A seta que lhe acertava
Partira de arco traidor,
Porque as penas que levava
Não eram penas de amor.

O anjo caiu ferido
E se viu aos pés rendido
Do tirano caçador.
De asa morta e sem esplendor
O triste, peregrinando
Por estes vales de dor,
Andou gemendo e chorando.

Vi-o eu, n anjo dos céus,
O abandonado de Deus,
Vi-o, nessa tropelia
Que o mundo chama alegria,
Vi-o a taça do prazer
Pôr ao lábio que tremia
E só lágrimas beber.

Ninguém mais na terra o via,
Era eu só que o conhecia
Eu que já não posso amar!
Quem no havia de salvar?
Eu, que numa sepultura
Me fora vivo enterrar?
Loucura! Ai, cega loucura!

Mas entre os anjos dos céus
Cantava um anjo ao seu Deus;
E remi-lo e resgatá-lo,
Daquela infâmia salvá-lo
Só força de amor podia.
Quem desse amor há-de amá-lo,
Se ninguém o conhecia?

Eu só, – e eu morto, eu descrido,
Eu tive o arrojo atrevido
De amar um anjo sem luz.
Cravei-a eu nessa cruz
Minha alma que renascia,
Que toda em sua alma pus,
E o meu ser se dividia,

Porque ela outra alma não tinha,
Outra alma senão a minha...
Tarde, ai! tarde o conheci,
Porque eu o meu ser perdi,
E ele à vida não volveu...
Mas da morte que eu morri
Também o infeliz morreu.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

The Kiss

 The Kiss

“O beijo é um procedimento inteligente desenvolvido para a interrupção mútua da fala quando as palavras tornam-se desnecessárias".

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

25 de Agosto de Algum Ano



"Ah, e estou eu aqui novamente sentada no meio dessas flores inorgânicas. Faz quanto tempo que eu estou aqui? Antes eu vivia do outro lado, tinha a vida normal. Normal é o modelo que Eles criaram, pais, amigos, escola, trabalho, tudo tentando justificar a incoerência de se querer ter pessoas coerentes, mas... De que outra forma poderia ser? Tudo o que eu penso, tendo estado presa aqui, é se eles ainda vão esperar por mim, o tempo é um inimigo invencível e essa forma de vê-lo foi criada por mim mesma e por Eles. Minha vida chega mais perto do fim a cada dia, a grande piada divina onde a vida é uma doença terminal, é a sua garantia de morte. E tudo morre. Mas eu queria que algo meu ficasse com Eles, e não queria ter que voltar pra lá, queria que alguém de lá viesse me fazer companhia em meio a essas flores inorgânicas. Porém, se não acontecer, sempre terei a mim mesma."
Talvez então ela realmente não pretenda voltar, talvez toda a minha espera por ela tenha sido em vão e tudo o que eu devia ter feito era ter ido até ela e não esperado que ela viesse até mim. Mas eu não sabia como chegar até lá. Então fico eu aqui, na vida normal, em meio a avatares de pessoas irreais, em meio a angústias belamente construídas com o objetivo de punir a hipocrisia de seres tolos que não SE respeitam. Eu já nem sei onde eu realmente estou no meio disso. Queria poder ter feito algo por você Alice, mas no final eu vejo que eu deveria ter feito algo por mim.

domingo, 15 de agosto de 2010

Salada de Frutas

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O senhor gato dormia sonhando com a festa, que para ele nunca aconteceria. E eu sempre ficava sentado esperando o momento que o onigiri seria chamado, como eu era tolo, o onigiri nem sequer é uma fruta. Teria tudo isso a ver com você? Não deveria ter deixado aquela porta fechada, ela é de vidro e eu consigo ver tudo que tem lá fora, mas eu perdi a chave e não consigo sair… Terei que esperar.